Finitude em “A Espuma dos Dias”
A Espuma dos Dias (2013) é um filme que abandona a lógica, retratando a vida dos personagens, principalmente o relacionamento de Chloe e Colin, a partir das sensações e fantasias. Confesso que logo de cara me senti um pouco perdida nesta forma de narrativa escolhida, mas fui mergulhando cada vez mais na forma onírica da obra.
Utilizando de várias metáforas, e representação em versões surrealistas, que vão da forma de dançar até o “Pianocktail”, um piano que cria coquetéis conforme é tocado. A fantasia permeia todos os momentos do filme.
Esta representação metafórica também acontece com a doença de Chloe. O filme não a retrata descobrindo um tumor em seu pulmão, e enfrentando toda a jornada de um tratamento de forma “real” e dura. Mas o filme poeticamente nos mostra a personagem encarando o raro nascimento de uma flor no seu pulmão.
É dessa forma cheia de simbolismos e surrealismo que A Espuma dos Dias fala sobre finitude. A perda da cor dos dias conforme encaramos a imprevisível e certeira chegada do fim.
Tudo vai ficando mais burocrático e pesado, toda a magia e encantamento anterior se perde em espaços sujos e apertados, beirando a melancolia Nos lembrando que tudo tem um fim, o dinheiro, as relações, e este fim também inclui a nossa existência.
Aquele mundo dos sonhos surrealistas onde o impossível muitas vezes não parece existir começa a ruir, se aproximando de um pesadelo e da bruta vida real.
Ainda que encarando a vida da forma poética e surreal, encarar a finitude é um processo doloroso, de enfrentamento do vazio e da angústia. Mesmo não sendo o nosso fim, algo nosso se vai com aquele que deixa de existir. Assim como com todas as coisas que precisamos dar um fim, e que não podemos mais ter. E o duro caminho que nos acompanha durante e após esta despedida.
Dentre as nossas várias possibilidades encontramos a mais irrefutável na morte. Aquela que é a possibilidade que mais nos paralisa ou nos impulsiona. Irvin D. Yalom diz que a morte nos chama o tempo todo. E por darmos de cara com este chamado constantemente, criamos um mundo de fantasia ao nosso redor para nos distrair do sofrimento que a probabilidade do nosso fim nos causa.
É fascinante e assombroso pensar que justo este momento final, em que passamos a não mais ser, é que nós finalmente podemos nos definir.
Desaparecendo todas as nossas possibilidades e finalmente nos encontrando com a nossa única certeza. Chegando ao ponto final da vida, que é este hiato entre o nascimento e a morte.
Não posso deixar de falar sobre o personagem “Jean-Sol Patre”. Uma clara referência a Jean-Paul Sartre. Sartre fala sobre como a vida é o que nós fazemos com ela. Talvez aí esteja a questão do filme. A fantasia dava sentido à vida dos personagens, não importa o que era real ou imaginário, o que era bom ou ruim, mas sim o sentido que eles davam aos acontecimentos, incluindo a doença de Chloe, e como eles decidiram enfrentar este momento.