Finitude em “A Espuma dos Dias”

Daniely Botega
3 min readOct 28, 2020
A Espuma dos Dias (L’écume des jours) 2013 — Dir. Michel Gondry

A Espuma dos Dias (2013) é um filme que abandona a lógica, retratando a vida dos personagens, principalmente o relacionamento de Chloe e Colin, a partir das sensações e fantasias. Confesso que logo de cara me senti um pouco perdida nesta forma de narrativa escolhida, mas fui mergulhando cada vez mais na forma onírica da obra.

Utilizando de várias metáforas, e representação em versões surrealistas, que vão da forma de dançar até o “Pianocktail”, um piano que cria coquetéis conforme é tocado. A fantasia permeia todos os momentos do filme.

Esta representação metafórica também acontece com a doença de Chloe. O filme não a retrata descobrindo um tumor em seu pulmão, e enfrentando toda a jornada de um tratamento de forma “real” e dura. Mas o filme poeticamente nos mostra a personagem encarando o raro nascimento de uma flor no seu pulmão.

Dentre os tratamentos, além das pílulas recomendadas pelo médico, são deixadas flores em seu peito, que parecem ter sua vitalidade sugada por Chloe.

É dessa forma cheia de simbolismos e surrealismo que A Espuma dos Dias fala sobre finitude. A perda da cor dos dias conforme encaramos a imprevisível e certeira chegada do fim.

Tudo vai ficando mais burocrático e pesado, toda a magia e encantamento anterior se perde em espaços sujos e apertados, beirando a melancolia Nos lembrando que tudo tem um fim, o dinheiro, as relações, e este fim também inclui a nossa existência.

Aquele mundo dos sonhos surrealistas onde o impossível muitas vezes não parece existir começa a ruir, se aproximando de um pesadelo e da bruta vida real.

Ainda que encarando a vida da forma poética e surreal, encarar a finitude é um processo doloroso, de enfrentamento do vazio e da angústia. Mesmo não sendo o nosso fim, algo nosso se vai com aquele que deixa de existir. Assim como com todas as coisas que precisamos dar um fim, e que não podemos mais ter. E o duro caminho que nos acompanha durante e após esta despedida.

Dentre as nossas várias possibilidades encontramos a mais irrefutável na morte. Aquela que é a possibilidade que mais nos paralisa ou nos impulsiona. Irvin D. Yalom diz que a morte nos chama o tempo todo. E por darmos de cara com este chamado constantemente, criamos um mundo de fantasia ao nosso redor para nos distrair do sofrimento que a probabilidade do nosso fim nos causa.

É fascinante e assombroso pensar que justo este momento final, em que passamos a não mais ser, é que nós finalmente podemos nos definir.
Desaparecendo todas as nossas possibilidades e finalmente nos encontrando com a nossa única certeza. Chegando ao ponto final da vida, que é este hiato entre o nascimento e a morte.

Não posso deixar de falar sobre o personagem “Jean-Sol Patre”. Uma clara referência a Jean-Paul Sartre. Sartre fala sobre como a vida é o que nós fazemos com ela. Talvez aí esteja a questão do filme. A fantasia dava sentido à vida dos personagens, não importa o que era real ou imaginário, o que era bom ou ruim, mas sim o sentido que eles davam aos acontecimentos, incluindo a doença de Chloe, e como eles decidiram enfrentar este momento.

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