Angústia e os caminhos até o reencontro

Daniely Botega
2 min readJul 3, 2020

No estreito de Messina, ao fugir do encontro com a terrível Caríbdis, e acabar sendo engolido por ela, muitos levavam suas embarcações ao encontro de Cila, outro terrível monstro que os devorava.

Woman at the Shoreline — Léon Spilliaert (1910)

O ato de procrastinar e deixar para depois, desde as tarefas pontuais aos planos idealizados por um longo tempo, nos ajuda a escapar das angústias das nossas responsabilidades, escolhas e projetos. E este ato tem mais relação com às nossas emoções e sentimentos de se ver capaz de realizar tal atividade, do que um mal uso do nosso tempo ou da nossa real capacidade de realizar tal tarefa.

Dar um tempo para nós mesmos, e viver o prazer a curto prazo sem culpa, por mais difícil que pareça para muitos, é necessário. Mas esse ato pode se tornar uma ação desesperada de fugir ou mascarar uma realização do futuro, ou ainda, se livrar do passado.

A liberdade traz a possibilidade de escolhermos, e nem sempre escolher é uma tarefa fácil, e mais do que isso, não podemos escapar das responsabilidades de nossas escolhas. E então nos sentimos sufocados. A liberdade também traz a indeterminação, o que foi escolhido pode ou não ser como foi idealizado, não há uma garantia de que o que eu desejei seja exatamente o que eu vou conseguir. Assim acabamos nos envolvendo nos pequenos prazeres do momento, até porque ainda não chegamos no futuro então ele ainda não é problema nosso.

A angústia do escolher e ter que lidar com meus projetos e desejos, e com o futuro que me aguarda, e ainda, se vou conseguir dar conta dele pode ser desesperador. A procrastinação deste futuro, por mais desejado que seja, tenta mascarar o peso do que está por vir, se serei capaz, ou com a frustração do “não era bem isso que eu queria”, e o caminho que terei que percorrer até lá.

Essa sensação vai além do que é vivido no medo, e por mais terrível que seja é natural a realidade humana. É sobre a relação interna e o alvo sou eu mesmo, sou eu contra eu. E apenas “eu” posso encontrar a possível solução deste mal estar, como posso viver a minha angústia sem que ela me paralise tanto.

E assim como na mitológica história grega no inicio deste texto, nos encontramos entre dois monstros. Estamos entre os serás do movimento em direção ao meu desejo, e o sucumbir e delegar as minhas escolhas a um destino, a um depois, um talvez, ao outro. Não há um certo ou um errado, mas há um caminho que pode nos levar a uma existência menos dolorosa.

“marco um encontro comigo mesmo para além desta hora, dia ou mês. A angústia é temor de não me achar neste encontro , o temor de sequer comparecer a ele.”
J.P. Sartre

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